Saturday, January 07, 2006

O vinho amargo dos desejos frustrados

Ele bebeu o vinho amargo dos desejos frustrados. Só agora percebeu que a culpa foi única e exclusivamente sua.
De mãos atadas para resgatar aquilo que seria a redenção, seus pensamentos são desconexos. Idéias geniais, que poderiam ser colocadas em prática na tentativa de voltar a viver dias radiantes ao lado da amada, são descartadas nos minutos seguintes.
"Isso é idiotice, é muito fantasioso", martela uma voz --talvez a única que ainda luta para manter-se sã-- dentro de sua cabeça.
Sempre ouviu vozes. Às vezes, sozinho, chega a conversar mentalmente consigo mesmo, como se dentro de seu cérebro houvessem duas ou mais pessoas.
O problema é que sua mente agora é assombrada por fantasmas do passado. A tortura é enorme. Desequilibrado após a negação da amada ["fui o único culpado" -- acrescenta novamente a tal voz], seu dia-a-dia ficou monocromático.
Acredita que a dor psíquica pela qual passa é pior que qualquer aflição física. Não raro tem a sensação de que um animal devora lentamente suas entranhas. E chora.
Mas ele procurou por isso. Abdicou do amor dourado de um relacionamento estável por aventuras fúteis. No início empolgou-se e passou a viver intensamente. Novos amigos, festas e garotas passaram a fazer parte de sua rotina.
Como sempre esteve com a auto estima nas nuvens, transformou-se numa espécie de líder do novo grupo com o qual passou a conviver. Cobiçado, teve aquilo que desejou e nunca precisou fazer qualquer esforço para consegui-lo.
Após cada desbunde, porém, a sensação de vazio aumentava.
Sua amada, a garota dourada, ainda não havia caído em si e alimentava esperanças de uma breve reconciliação. Coitada, cansou de esperar.
Ele, apesar de sentir-se estranho e cada vez mais triste, simplesmente optou por ignorá-la. Como se arrepende hoje...
***
Ao passo que a consciência voltava gradativamente, as festas deixavam de ter aquela magia, as conquistas transformavam-se em ato mecânico e não via mais a mesma graça nos amigos ["todos superficiais" -- a voz de novo].
Depressão. Durante uma crise profunda, na qual abdicou de convites para "reuniõezinhas", preferiu passar uns dias só. Algo estava errado porque isso nunca havia acontecido desde que decidira "ampliar os horizontes".
Introspectivo, repensou a vida inteira. Os erros, os acertos e, principalmente, a fase atual. Caiu em si. "Percebeu" que nadava contra a corrente. Que o que faltava para recuperar o equilíbrio e voltar a sorrir de forma espontânea era o calor daquele amor despretensioso que a garota dourada, a sua garota dourada, emanava.
A constatação veio em meio a um turbilhão de arrependimento, vergonha e culpa por ter feito sofrer aquela quem verdadeiramente doou-se a ele sem pedir nada em troca.
Uma ponta de felicidade apareceu. Sabia que, apesar de ferida, ela ainda o amava. Tentou a reaproximação, em vão.
Exausta com a situação, seu verdadeiro amor decidiu pôr um ponto final na própria angústia.
Ela, há pouco mais de um mês, na tentativa de se livrar daquilo que sentia, rendeu-se aos galanteios de outro. Mesmo sem amar este "terceiro elemento", a garota dourada voltou a sentir-se amada ... e como isso faz bem, não?
Ignorou todos os apelos, alguns desesperados, para uma reconciliação. Em uma das poucas vezes que o atendeu, foi tremendamente honesta: "Cansei de esperar por você. E agora também existe outra pessoa envolvida ... ainda gosto muito de ti, mas hoje sei que nunca daríamos certo."
As palavras caíram como adagas em seu peito. "Maldito! Quem é este que tenta roubar-te de mim? Não é justo!", questiona a voz egoísta, cada vez mais insistente.
Quando a cólera atinge o pico mais ácido é a vez de outra voz aparecer em sua mente: "Quem é você para falar em Justiça? Foste o responsável por tudo", retruca a, talvez, voz da razão.
Relembrar estas coisas alimenta e aumenta o pânico em sua alma. Hoje, deu-se por vencido.
Optou por distanciar-se da roda-viva na qual esteve recentemente imerso até o pescoço e passa os dias assim ... conversando com vozes que o assombram, saboreando o gosto amargo do vinho dos desejos frustrados.